domingo, 4 de dezembro de 2011

ARQUIVOS ARQUEOLÓGICOS




  

Um Estranho Conto:    O HOMEM AZUL

 

No mundo, dentro da cidade, pelas ruas-invisíveis, passava solitário um homem. O homem-espelho, espelhomem. Seu corpo, se existia , era lúdico e não preenchido. Uma cavidade descomprometida com as distâncias reais, uma casca ofuscante-delirante.
Como interiorizar tantas distâncias, tantos processos, tantos mananciais, tantos insetos, tantas não-infâncias, tantos objetos?
Seus cabelos-lã de vidro, seu rosto convexo-plano-côncavo-lente em um mundo refletido invertido, eu direto, real ou virtual. Do infinito ao infinito, de fora para fora, de fora para dentro dependente do tipo do espelho.
Dentro de sua imagem-pulsante acontecia uma vida reflexo-nexo, destros-canhotos, respectivos perpendiculares paralelos, faces-rostos no mundo fragmentado.
Passeando sob o azul, refletindo um pedaço de céu, um traço de sol, turvando olhos sedentos de visão-contexto ou, apenas intentando enxergar o emerso. A cada passada, sua cabeça era o céu zênite,  um fundo sem distância, uma distância sem fundo, um universo profundo, tão sideral quanto o imaginário. À medida em que o homem-espelho percorria as ruas invisíveis, roubava o reflexo-sexo do cotidiano-insano e retrospectivo. Eram prédios vermelhos, brancos, cinzentos, marfim... outros de cores indecifráveis. Pivetes-trombetas, contatos, marginais, muros graffitis, camelôs, operários dos dias-capitais-lucros, mendigos, cachorros, pássaros, pombos, gatos, ratos, contratos, engravatados. Eram postes e luzes apagadas, bandeiras hasteadas, armas apontadas, soldados mortos, tiros-iras-suspiros de deveres. Eram palhaços-cidades, painéis de espanto.
Cada passo refletia um espaço de multibraços. O cotidiano complexo.
O homem espelho, pedaço reflexo do todo.  Unidade momentânea na variedade contínua.
Em cada rua percorrida, fatos-acidentes, ricos  e pobres eram contidos  dentro do homem-espelho. O céu dentro do homem, ce(h)umem, ciúme.
À noite, o crepúsculo subira-lhe a testa e descera-lhe as costas. As imagens laterais passavam pelo homem espelho, luzes brilhantes no palco ilimitado, no corpo superfície onde distâncias seriam magicamente infinitas. O segredo do homem espelho dentro dele.
Ele refletia por refletir. O homem oco no espelho profundo. Assim caminhava o espelhomem sem nunca ter refletido a totalidade, tão simples em um complexo disfarce encarnado. Sempre objetos fragmentados, sempre nacos.
Agora, o espelhomem caminha pelas rua, cidades, dentro do mundo, sob o céu. O céu, a cabeça do homem-espelho, suas passadas não permaneciam na rua invisível e nem permanecerão. Como refletir o infinito-invisível ?
Um homem no ar, espelhomem fluindo no mundo só pelo compromisso de fluir. Seus pés sem terra soltos no vento.
Será seu pensamento invertido e irreal, seu foco desconhecido? Como saber de si?
Nunca ninguém lhe falou, só se limitavam a observar sua aparência refletida, como se o espelhomem não existisse. Como ver-se a si próprio sendo ele sempre os outros? Um autoconhecimento.
Em giros ele se pôs, a cidade girava, ele centro de todo o movimento. Tonto, rumou em busca das vitrines, já não mais discernia fantasias. Frente às vitrines seus espelhos  refletiam espelhos que refletiam espelhos que refletiam espelhos em um moto contínuo. Onde ele estaria dentro daquela conjuntura? Tanta autofagia sucessiva. Ilusionado , articulou-se em busca  de distância, de um maior campo de visão. Uma estranha necessidade de se sentir um ponto. Assim, atravessando a rua não avistou um carro. Nele, a imagem do carro aproximava-se com dupla velocidade. Buzinas de desespero, no reflexo um silêncio profundo na rapidez daquela aproximação. O espelho luzente refletindo o carro vindo, homem-espelho ausente do vigor dos hinos. O carro abalroua com sua imagem, corpo em corpo.
Do choque objeto-imagem, homemáquina o homem-espelho-entropia de-lira na expansão, tanta repulsão em suas partes antes coesas. Umas explosão de imagens partidas. No cruzamento espelhomemorto em pedaços-cacos-restos-sós. Dessa morte geométrica e física não jorrou uma só gota-louca de sangue do seu corpo em pedaços. Homem-espelho era Homem-pessoa?
Espalhado por toda a esquina, toda rua e cidade e terra urbana cobriu a rua invisível. Quantas fossem. As ruas sob o homem-espelho-entrópico.
A rua azul em dia ensolarado refletia o céu, era o céu. Os homens pisavam em suas próprias solas, em contato objeto-imagem. Quem era o objeto e a imagem naquele momento de ligação?
A rua azul refletia o céu, e os homens sem cabeça nessa perspectiva dicotomica. Quanto horror!
DEITADO no invisível oscilava o homem espelho, incerto desse seu equilíbrio inexplicável enquanto sobre ele homens-pessoas caminhavam e corriam e sentavam, tudo faziam na certeza da segurança da rua-terra, agora visível e azul. A força da gravidade existia, e isto não era mais grave. Havia a certeza de pisar em sólidos e o terror de pisar em si, havia um só mundo, fosse ele real ou virtual, o homem pessoa seria seu habitante e prisioneiro.
Antes homem espelho não tivesse encoberto as ruas invisíveis de imagens, deixando os homens sobrenadando no indeciso, conjecturando o impossível para sentir um saldo de contrários, opondo-se ao vigentestável. Assim quebrantariam todos os espelhos, apercebendo-se que imagem é tão somente imagem e que o seuo reflexo somos nós mesmos descoesos e opacos.
Entretanto, ainda vigora o homem espelho refletindo e imitando o homem prisioneiro nas ruas, no mundo. Dentro de cada um de nós para não permitir  uma visão nossa do mundo em nós, nós com o mundo. Nosso mundo.

The Eagle (1978) 




MEU DIÁRIO

Meus temporais são causados por gente árida,
Secas em uma prepotência que oa consome.
São violentos, destroem meu dentro.
Minhas inundações são geradas por atos de quem os faz por interesses
Rasos em suas religiosidades, discursam suas hipocrisias.
Devastadores, afogam-me o ser em turvas águas arredias.
Minhas primaveras são urdidas no centro de minha’lma
Sementes e mais sementes, cuidadosa e diuturnamente, plantadas
A germinarem suavemente, alimentadas pelos meus orvalhos.
Minhas ocres invernais estações
Trazem uma gelidez que não me congela
Apenas me faz incursionar o olhar na clareira de minha alva
Refletindo, analisando, orando, despertando para o sol que em breve chegará.
Meus outonos são feitos de sons de estrelas,
Folhasutis jorrando do céu,
Cometas de alegorias ancestrais
Que me trazem o perene sabor dos madrigais das todas eras que habitei.
Chega o meu verão e me dispo dos tempos, dos temores, dos silêncios
Risco o ar com energia e consciência
Águia benta
Rimando preces, mantrans, palavrasons...
Gentis poesias,
Intacta, isenta. 
The Eagle!  


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